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Nós sabemos de tudo!



 Ela estava cansada de ser tradada como uma garota boa porque tudo o que conseguia eram amigos falsos e namoros frustrados. Mas o final de seu último relacionamento a estava matando. Não só pelo fato da separação, mas por ele continuar perseguindo-a mesmo estando com outra. E tudo o que ela ouvia era: "Você é muito boazinha" ou "Você é uma boa pessoa". Ela começou a se encher disso tudo e pensou na possibilidade de boas pessoas se tornarem pessoas vingativas.
 Já tinha reunido todas as provas das traições e mentiras dele, tinha fotos conseguidas por amigos, históricos de conversas no Messenger marcando encontros. Tinha também um depoimento conseguido secretamente por seu melhor amigo de uma menina que tinha beijado-o enquanto eles namoravam. Foram três longos meses reunindo provas, juntando pistas e quebrando a cabeça mas agora seu plano finalmente poderia começar!
 Em uma madrugada ela entra em sua casa, sobe até seu quarto e verifica se ele está dormindo. Depois de ter certeza começa seu plano. Fala coisas aleatórias como se fosse a voz de seus sonhos: "Nós sabemos o que você fez! Nós sabemos o que você fez! Nós sabemos que você mentiu! Nós sabemos, tenha cuidado!"
Ele se revira na cama e ela se esconde assustada em seu banheiro. Lá tem uma grande ideia. Em sua bolsa tem um batom vermelho, ela o pega e deixa um recadinho no espelho para ele: "Sabemos o que você fez, mentiroso!". Espia por uma fresta da porta e o vê dormindo novamente em um sono pesado, ela então sai do quarto e vai embora. Na manhã seguinte ele acorda e - lembrando-se do sonho estranho que teve a noite com vozes falando coisas estranhas - vai até o banheiro. Leva um grande susto com seu espelho todo escrito com letras vermelhas. Fica apavorado. Afinal, o que era aquilo?
 No trabalho, ele conta a história do sonho e do espelho para seus amigos e eles riem dele. Dizem que ele está maluco e com a consciência pesada por ter enganado tanto sua ex-namorada, que é tão boazinha. Ao final de mais um dia de trabalho, volta para casa. Ao entrar em sua casa se depara com muitos ratos cinzas grandes em sua sala e fica assustado. Fecha a porta, dá meia volta e liga para a dedetização. Os agentes dedetizadores entregam-no uma carta fechada, sem remetente nem nada no envelope. Ele abre e outra surpresa: "Nós sabemos o que você fez a ela! Sabemos e queremos que fale a verdade porque não se engana uma mulher apaixonada. Tenha cuidado!" Ele, assustado pergunta aos agentes dedetizadores:
- Que espécie de brincadeira é essa? Quem escreveu essa carta com letras de revistas para me assustar? O que vocês sabem sobre mim? E esses ratos?
- Não sabemos, senhor. Quando chegamos a carta estava em cima do sofá, só guardamos porque poderia ser algo importante. E sobre os ratos, os esgotos da cidade estão em manutenção constante, está sendo comum na região essas infestações. - responde um agente. Durante o resto da semana ele fica atordoado com os acontecimentos porque mais coisas estranhas e assustadoras lhe acontecem. Mais cartas. Cartas vindas junto com a pizza entregue na porta da sua casa, deixadas no correio, em seu carro, vindas com encomendas para ele em seu emprego.
 Em uma tarde chuvosa e cinza de Janeiro ele se dá conta de que os acontecimentos estranhos não aconteciam mais há duas semanas e sentiu uma pontinha de alívio, mas ainda assim estava curioso para saber que espécie de complô era aquele. Quem eram "Nós" e o que eles sabiam das suas traições e mentiras em seu relacionamento com a ex-namorada? Um de seus amigos o chama.
-Hey, chegou essa caixa aqui para você. Onde eu coloco?
-O que é isso?
-Não sei. Um menino deixou aí na recepção em mandou que entregasse somente a você.
-Sabia! Não acabou. - e logo sentiu aquela apreensão de novo.
-Ah cara, qual é?! Não vai me falar que são as tais coisas assombradas de novo? Fala sério. - diz seu amigo, zombando de sua cara.
Seu amigo sai e ele finalmente abre a caixa. Mais um susto, uma boma relógio. Seu coração acelera ao ver que o cronômetro está zerando. Começa a suar frio, seu coração parece querer sair do peito a qualquer custo, um nó em sua garganta quase o impede de respirar. Nunca sentiu tanto medo em sua vida. Vê que tem pouco menos de 30 segundos. Fecha os olhos e começa a rezar e contar mentalmente até trinta.
-... 28, 29, 30. - Aperta os olhos fechados e respira fundo. Não sente nada e pensa ter morrido sem sentir a explosão. Finalmente toma coragem e abre os olhos. Para sua surpresa ainda está em seu trabalho, sentado em sua cadeira em frente ao computado e com a bomba em suas mãos. A bomba! Olha para sua mão e a vê. O relógio zerado. Nota que as dinamites são de mentira, mas o relógio não. Mais uma brincadeirinha de mal gosto. Lembra-se também da caixa e verifica se há alguma pista na caixa que o leve ao autor das brincadeiras de mal gosto. Depara-se com outra carta: "Chegamos ao fim da nossa brincadeirinha ou quer levar mais sustos, querido? Sabemos tudo o que você aprontou com ela e queremos que a conte tudo amanhã no parque, às quatro. Esteja lá senão..."
Sente um arrepio gelado subir em sua espinha. Senão o que? Será que vão matá-lo?
No dia seguinte acorda ouvindo miados agudos em seu jardim. Abre a janela e vê vários gatos pretos, começa a contá-los. São treze no total. Desce as escadas, vai até o jardim e tira os gatos. Passa praticamente a manhã toda de pijamas no jardim retirando os gatinhos. Lembra-se que é sábado e da última carta. Outro arrepio na nuca e o coração acelera. Verifica a caixa de correios e, claro, há uma carta lá.
"Não se esqueça! Hoje, às quatro no parque. Esteja lá porque ela vai estar. Não a deixe esperando. Ela não sabe que é com você o encontro, então chegue e já se explique logo. Queremos toda a verdade, mentiroso! TODA A VERDADE!."Para sua surpresa o dia passa muito rápido. Já está quase na hora do encontro com a ex e ele se arruma.
 São três e meia e ele vai ao parque, senta-se em baixo da árvore que costumavam se encontrar e fica esperando. Passa-se meia hora e nada. Quarenta minutos. Cinquenta. E seu coração começa a acelerar, será que fizeram alguma coisa a ela? Seu telefone toca.
-Alô?
-Ótimo, você está aí. Gostou de esperar?
-Cadê ela? O que fizeram com ela? Onde ela está? Quem são vocês? O que querem?
-Ora, ora. Mas que preocupação com a menina que você tanto enganou. Só queremos a verdade, não se esqueça. - e a ligação cai.
Ele se desespera, sente alguém se aproximando e mais uma vez seu coração parece que vai rasgar seu peito e pular. Para sua surpresa ouve uma voz doce e delicada.
-Estou aqui! - diz sua ex-namorada- Bem atrás de você.
Ele se vira. Como ela está linda e quanto tempo que não a via. Como quer abraçá-la. Ela está bem, está viva.
-Hey! Tudo bem?- ela sorri e responde calmamente:
-Muito melhor agora, querido!
-Que ótimo. Precisamos conversar! Eu...
-Sim, eu sei. Sou toda ouvidos.
-Você sabe? Como?
-Você me disse, lembra? - a essa altura não se lembrava de mais nada. Então conta toda a verdade a ela. As traições, as mentiras e as desculpas para não se verem.
-Sim!- ela diz.
-Sim?
-Sim! Eu já sabia de tudo.
-Mas como?
-Digamos que eu tenho provas. - Tira uma pequena caixa de sua bolsa e entrega a ele.
-O que é isso?
-Minhas provas. Fotos, registros de conversa no Messenger, ligações, sms, e-mails, gravações de ligações e tudo mais.
-Mas como?
-Esqueceu que meu pai é uma pessoa influente? Sem a sabedoria dele, consegui aliados muito valiosos que me ajudaram.
-Nem sei o que te falar... Aliás, não sei de mais nada nessas últimas semanas. - Ele a encara por uns minutos. Sua afeição é de uma pessoa cansada, amedrontada e desanimada. Apesar de todo o gostinho da vingança, ela fica com dó daquele inútil.
-Nada de assombrado vem te acontecendo. Não há nenhum serial-killer atrás de você. Tão pouco uma gangue ou um grupo do mal. - E sorri ironicamente - Apenas quis te mostrar que com uma mulher apaixonada não se brinca, querido.
Agora tudo começa a fazer sentido para ele. Ela está por trás de tudo.
-Você é louca. Eu poderia ter morrido.
-Não sou louca, só me cansei de ser boazinha com todos. E você não correu risco algum, me certifiquei. Os ratos eram emprestados da dedetização, mas vacinei todos. Os gatos foram pegos no abrigo sem doenças. A bomba era de mentira. As cartas eram inofensivas e escritas com recortes de revistas. Foi só um aviso, com uma garota apaixonada e supostamente boazinha não se brinca!
-Me perdoa?
-Você não tem vergonha mesmo na sua cara, não é?
-Eu te amava...
-Adeus, querido. Espero que tenha entendido o recado. Uma mulher boazinha, magoada e enganada pode se tornar uma ótima vilã.
-Vou te denunciar, sua louca!
-Fique a vontade. A essa altura meus homens já se livraram de todas as provas contra mim. Estou limpa, querido. E você não acabou de me dizer que me amava? Francamente, precisa melhorar seu discurso. Mentiroso! Adeus.
 Ela vira as costa e vai embora. Ela, seu sobretudo da Prada, seus sapatos Louboutin e sua bolsa Channel. Afinal, naquele momento ela era uma legítima vilã e não mais a mocinha de roupinhas básicas e sem atitude. E ele? Voltou para casa indignado. Tentou contar inúmeras vezes essa história para seus amigos, mas ninguém acreditou. E ela? Mudou-se para Londres e nunca mais ele a viu ou ouvir falar dela.
As vezes chega até a imaginar que ela foi uma espécie de fantasia sua ou invenção frenética da memória, porque não achou até hoje as fotos que tinha com ela. Na cidade, ninguém mais ouvir falar dela ou de sua família. Mas lá em Londres ela sabe que existiu na vida dele e que se vingou. Não é nenhuma vilã, mas não se deixa mais enganar.

Comentários

Adorei =) Vc conseguiu passar a impressão de estar dentro da história, interagindo, eu pelo menos consegui interagir com os personagens, adorei mesmo. Depois diz que narração não é seu forte kkkkkk Perfeito *-*
Ninna disse…
Obrigada, my sweetie! Hahahaha
E não são mesmo, eu juro que tento narrar, fazer crônicas e poemas. Mas as críticas são muito mais fáceis para mim...

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